Já não me recordo que recomendação me levou a ler este livro, mas é, no mínimo, uma leitura curiosa, com elementos originais, que cruza ficção científica (mundos paralelos) com horror – mas uma espécie de horror lovecraftiano, que quase não pode ser nomeado ou, sequer pensado.

A história

Kara acabou de se divorciar e, depois de explorar várias soluções para viver sozinha, percebe que vai ter de voltar para casa dos pais – algo que adia e evita, até porque o relacionamento com a mãe não é dos mais saudáveis. Felizmente, o tio oferece um quarto na sua casa. Esta não é, no entanto, uma casa qualquer – mas sim uma casa interligada a um museu de curiosidades, entre animais empalhados, ossos, estátuas e outras coisas estranhas.

Entre os trabalhos de free lance como designer e os contactos do ex-marido (que pretende manter-se como amigo) Kara muda-se para a casa do tio. Mas quando este se ausenta para ser operado, e um buraco aparece numa parede, Kara pede a ajuda de um novo amigo, Simon, um barista homossexual. O buraco leva-os, no entanto, por um túnel teoricamente impossível pelo espaço que ocupa, mas que acaba por levá-los a um estranho mundo.

Inicialmente, este estranho mundo parece inofensivo. Várias ilhas rodeadas por uma espécie de rio pouco fundo, cada uma com uma estrutura do tipo bunker, onde se podem ver portas abertas ou fechadas. A exploração leva-os, no entanto, a descobrir pistas para algo mais arrepiante, e a fugir de alguma coisa impensável. Quando tentam voltar, já não sabem qual a ilha de onde saíram e são obrigados a pernoitar neste estranho, e agora assustador, mundo.

Opinião

A história é contada colocando Kara como personagem principal, ora revelando o que pensa, ora mostrando as situações em que se encontra e os diálogos que estabelece. Não existem outros pontos de vista, outros pensamentos ou outras ideias. Também não existem muitas mais personagens. Simon explora com Kara o outro mundo e, ainda que encontrem outras pessoas, as interacções são curtas, não havendo espaço para grande caracterização ou exploração de personalidades.

Esta simplicidade narrativa joga a favor numa sucessão de episódios movimentados onde se acumula alguma tensão, perante um terror desconhecido, dos quais apenas se visualizam os resultados. Existe, adicionalmente, uma espécie de diário, escrito por alguém que também já explorou aquele outro mundo, o que, simultaneamente, fornece algumas pistas, e acrescenta uma outra perspectiva por breves momentos.

A estratégia narrativa poderia, no entanto, não funcionar com todos os autores. Neste caso, ambas as personagens principais são credíveis, demonstrando a possível incredibilidade perante algo impossível, e um leve despertar para algo no qual não acreditam totalmente a não ser quando é inegável. A tensão é, portanto, crescente, percetível através das próprias personagens que, no seu nervosismo, emitem ideias ou piadas que, por vezes, consegue aliviar ligeiramente o ambiente, até aterrarem nas infinitas possibilidades e se tornarem arrepiante. Este humor, típico de quem está nervoso, consegue a proeza de, simultaneamente, relaxar a leitura por breves momentos, e criar a percepção perfeita para o leitor.

Como já foi referido anteriormente, este mundo oculta perigos desconhecidos, dos quais apenas é possível apenas ver os resultados ou as vítimas da sua actuação. Alguns dos sobreviventes (não por muito tempo) alertam que pensar nesse perigo aumenta a probabilidade de ele aparecer. As pistas complementam e deixam perceber algo inquietante. É, portanto, um perigo que não pode ser falado e não deve, sequer, ser pensado. Este é um dos pontos em que se sente alguma influência lovecraftiana.

Ainda que a personagem principal seja feminina e tenha acabado por passar por um divórcio (supostamente amigável) este não é o ponto central da história, o que pode ser considerado refrescante. As circunstâncias em que Kara se encontram ajudam a percebê-la (e ao humor que daí deriva) conferindo-lhe personalidade e passado, mas não definem a narrativa, nem a sucessão de episódios.

Outro dos pontos que nos faz sentir empatia pela personagem é o facto de ser uma leitora. Ao longo da narrativa existem várias referências a livros ou personagens de livros, sendo a mais óbvia, a alusão ao mundo que pode ser encontrado dentro de um armário (Narnia). Trata-se de uma comparação curiosa, sendo que neste caso, claro, o mundo que encontram é agreste e quase alienígena.

Conclusão

A história consegue, portanto, tornar-se envolvente, ao mesmo tempo que nos leva por episódios de suspense movimentados. É interessante e cativante – ainda que as primeiras páginas tenham sido de leitura mais lenta, após as primeiras 50 torna-se numa leitura compulsiva e quase impossível de arrastar.

Este livro foi nomeado, entre outros, para os prémios Locus 2021 (Melhor no género Horror) e Goodreads 2020 (para a categoria Horror).