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Aglomerando várias histórias que acompanham a humanidade ao longo de vários milénios, Fragmentos da enciclopédia délfica terá uma estrutura à semelhança de Fundação de Asimov: uma série de retratos, histórias fechadas que caracterizam uma época.

Ainda que consigam ser histórias independentes, encontram-se relacionadas retratando uma continuidade evolutiva, senão da humanidade enquanto espécie, da humanidade enquanto cultura e capacidade tecnológica como herança.

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Evolução tecnológica, robótica, exploração espacial e manipulação genética de outros animais – todas estas invenções vão modificando a sociedade humana mas ao longo das histórias percebemos que são alterações superficiais. A essência da espécie continua – seres humanos em lugares de poder que os utilizam para proveito próprio estimulando quezílias e guerras, descriminação de outros modos de vida, escravidão, racismo e negação da evolução.

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Com a evolução tecnológica e espacial os padrões sociais e culturais vão mudando. Os que não se adaptam deixam de ter lugar na sociedade – muda o padrão de normalidade, mas os comportamentos são os mesmos e é, em suma, esta falta de abertura para a compreensão do que é diferente ou pouco usual que condena lentamente a humanidade.

No final, sobram as espécies inteligentes que este evoluiu artificialmente, uma espécie de chimpanzés inteligentes que mistura tecnologia com crença quase religiosa numa raça superior (a humanidade) e uma espécie de golfinhos mais preocupada em se divertir e usufruir da sua imaginação do que necessariamente em criar algo sério com as suas extensas capacidades.

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Algumas histórias são mais interessantes e reveladoras do que outras, mas em quase todas é de realçar a centralização nas personagens e na sua caracterização, em que a força das expressões faciais contrasta muitas vezes com a menor definição do meio envolvente.

No final o autor fala na influência dos mais clássicos e conhecidos autores de ficção científica, desde Clarke, Stanislav Lem, Orwell, Dick, Farmer ou Asimov, mas a mim é-me impossível ler esta história e não me recordar da Guerra da Elevação de David Brin, com a humanidade a elevar à consciência os chimpanzés e os golfinhos, ainda que numa perspectiva menos utilitária.

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Este terá sido o primeiro livro de Miguelanxo Prado, publicado inicialmente em capítulos na revista 1984 nos anos 80 e que terá tido uma primeira edição completa ainda em 1988. São de destacar os elementos reconhecíveis de uma extensa cultura de ficção científica, com o ser humano a explorar novas sensações por recurso à tecnologia e a desenvolver novas capacidades mentais (como telepatia ou telecinesia) tão em voga há umas décadas.

É de realçar, também, a exploração das limitações comportamentais do ser humano mesmo nestes contextos de elevado desenvolvimento, limitações que podem dar lugar a outras deambulações intelectuais – a necessidade de se sentir superior e de fazer de outras entidades objectos, a necessidade de escarnecer os indivíduos que são considerados retrógrados, a necessidade de, por vezes, combater a mudança e a evolução. São questões que têm surgido em várias obras e que vão surgindo aqui, em cada episódio da história humana.

Esta edição portuguesa é da Meribérica/Liber.