Eis um livro curioso no nosso mercado – um livro de ficção científica que tem, como cenário, Lisboa, e que decorre num futuro pouco incerto mas em tudo tecnologicamente semelhante ao nosso. O que muda? A posição estratégia a nível económico, firmando-se Portugal como uma economia em expansão! E como? Saindo da União Europeia e estabelecendo parcerias com países africanos (de língua portuguesa) e com países asiáticos.
As parcerias estabelecidas levam a que se fixem, em Portugal, milhões de habitantes desses países, com especial destaque para angolanos e chineses. De forma a manter o equilíbrio social entre relevantes grupos populacionais com culturas e hábitos diferentes, elegem-se representantes de cada uma das parcelas – representantes que, reunidos em conselho, ajudam a manter a estabilidade da sociedade portuguesa.
A realidade criada por Onofre dos Santos é-nos dada a conhecer através dos acontecimentos, tendo como personagens principais um trio romântico. Teresa, nascida em Portugal de cabo verdianos, tem noivo anunciado. Estudiosa e auspiciando um brilhante futuro, desperta o interesse de um professor mais velho que aproveita o fim do ano lectivo para se aproximar. Tal aproximação resulta numa gravidez, na quebra de noivado e na revolta do noivo, Nelson, que decide vingar-se e instigar os ânimos dos seus compatriotas pela honra ferida.
O que começou como uma noite de romance consentida por ambas as partes acaba como um factor de instabilidade e de divisão da sociedade portuguesa (ao recordarem diferenças culturais e tempos idos de colonialismo) existindo múltiplas reuniões dos representantes e de outras figuras de importância, formulando planos para restaurar a ordem e o sentido de justiça – mesmo afastando-se Teresa do papel de vítima e assumindo-se como mulher independente, capaz de poder de decisão.
Apesar das alusões a um Blade Runner português, Lenguluka afasta-se bastante de tal sentimento. Se, por um lado fala de uma realidade portuguesa alternativa, reflexo da maior diversidade cultural, e mantém um bom ritmo com referências a velocidade, por outro faltam as referências à tecnologia, ao sentimento de perda de humanidade e de natureza com tamanho avanço científico. Faltam os andróides, os animais sintéticos, as armas destruidoras e os avançados meios de vigilância que poderiam transformar este livro num romance com espírito Blade Runner.
Esta referência a um Blade Runner é algo que não procuraria se não tivesse referida na publicidade do livro, mantendo-se o interesse pelo romance pelo que é – a descrição de uma sociedade inexistente mas possível, mostrando formas de a concretizar e a facilidade com que acções individuais poderiam acabar com a estabilidade. Um relato interessante que se foca sobretudo no trio amoroso, levando-o a ser um factor de quebra pelas diferentes percepções culturais.
Lenguluka foi publicado em Portugal pela Guerra & Paz.
Muito obrigado Cristina. Gostei de ler o seu comentário apesar de a minha história não ser de ficção científica como bem observa. Fico muito feliz por ter chamado a sua atenção.
Obrigada pelo seu comentário.
Retorno com vários pontos 🙂
1. A própria descrição do livro fornecida na contra capa tece semelhanças com Blade Runner – um clássico da ficção científica de Philip K. Dick. Tal referência fornece expectativas diferentes para o público alvo do que encontramos. Ainda que tenha gostado do que encontrei. Não é uma crítica ao seu romance, apenas um detalhe que poderá atrair um público diferente do pretendido.
2. Ainda assim, não tendo vários pontos que seriam de esperar, o enquadramento no género da ficção científica (ou no género, mais alargado de ficção especulativa) vai diferir de acordo com o conceito que adoptarmos. Segundo vários conceitos académicos poderá enquadrar-se, no mínimo, em ficção especulativa, bastando referir-se a um futuro. Se lermos várias histórias da ficção científica ao longo do século XX e estivermos a par com o que é considerado ficção científica no século XXI, Lenguluka pode enquadrar-se bem na ficção científica que decorre num futuro pouco distante, introduzindo algumas variantes (não necessariamente tecnológicas, basta que sejam políticas ou sociais) ao mundo actual. Se, inicialmente, o termo era usado de forma mais restrita para designar ficção que se baseava num avanço tecnológico (fosse genética, física ou virologia) neste momento, o género engloba realidades alternativas, distopias (ou utopias), futuros e muito mais.
3, Infelizmente, na globalidade, a designação de ficção científica é confundida com o sub-género space opera (naves no espaço) . Não digo que seja o seu caso, mas é algo que tenho encontrado por diversas vezes.
Obrigada,
Cumprimentos
P.S. – Peço desculpa pela resposta tardia, mas o meu acesso à net tem sido reduzido.
Muito obrigado mais uma vez pelo seu acrescento crítico. Gostaria de ter o seu endereço pois tenho outro livro editado pela Guerra e Paz (será lançado este mês de Maio) que gostaria de lhe enviar.