A maioria das obras de Miguelanxo Prado revelam episódios carregados de ironia e sarcasmo ou uma intensa nostalgia. Em quase todas as histórias transmite-se uma intensa falta de fé na humanidade. As premissas, por sua vez, costumam oscilar entre a realidade e a ficção, contendo, por vezes, referência a outras obras literárias.

Mas O Pacto da Letargia destaca-se bastante dos livros anteriores em todos estes pontos – não só por ter diversos elementos fantásticos, mas também por ser bastante menos negativo para com a sociedade humana, apesar de apresentar elementos bastante corrosivos.

A narrativa começa por nos apresentar um pequeno grupo de pessoas numa floresta, realçando a beleza dos carvalhos num terreno que possuem, e aspirando a que os eucaliptos não toquem aquelas terras. Será exactamente este inocente episódio que irá provocar alterações imprevistas e mover toda a história.

Adormecidos para além dos tempos, puro e demónio, acordam em simultâneo conforme combinado. Algo teria mudado no equilíbrio dos humanos com a natureza. Mas o que será esse algo? A fada que é responsável por acompanhar o pacto estabelecido entre puros e demónios desconhece o acontecimento.

Simultaneamente, um jovem historiador descobre o caderno de um antigo professor universitário, repleto de runas – runas semelhantes às que descobre nos carvalhos da propriedade. Por esse motivo se decide a visitar o professor, ainda que o responsável do centro universitário o tente demover de tal encontro. As pistas levam-no a encontrar o puro e com ele tentar chegar a um importante triscelo antes do demónio – a obtenção deste objecto será essencial para garantir a sobrevivência da humanidade.

De teor bastante mais fantástico do que é usual no trabalho de Prado, O Pacto da Letargia confronta duas diferentes perspectivas da humanidade – a dos Puros que acreditam que, um dia, os seres humanos irão aprender a viver em equilíbrio com a natureza, e a dos Demónios que pretendem acelerar esse equilíbrio exterminando a humanidade. A perspectiva do Demónio aproxima-se do tom irónico que é usual noutras narrativas de Prado.

Em pano de fundo, comenta-se o mundo académico e a arqueologia. Sendo o mundo académico muito competitivo existe sempre quem opte por percursos menos honestos. Em relação à arqueologia, o autor opta por mostrar como algumas descobertas arqueológicas (não) são geridas, alimentando, pelo mercado negro, colecções nacionais e internacionais.

De narrativa mais positiva e mais desenvolvida do que noutros livros de Prado (ainda que Presas Fáceis também já tivesse uma história mais desenvolvida, mas de tom negro), O Pacto da Letargia cruza elementos mitológicos com a acção do homem na natureza, numa história de fortes elementos fantásticos.

O Pacto da Letargia foi publicado em Portugal pela Ala dos Livros.