Um dos grandes lançamentos de 2020 foi, sem dúvida, mais uma história de João Barreiros. Ainda que, no ano passado, os lançamentos tenham sido reduzidos, um novo de João Barreiros teria sido sempre um grande lançamento. Para quem ainda não conhece o autor (que infâmia), a narrativa tem sempre pequenos twists de humor negro, apresenta a prior perspectiva da humanidade, e consegue cativar com passagens ritmadas.

Em Um Gosto a Céu no Lago do Breu a narrativa centra-se num professor que foi parar ao inferno depois de repetir várias vezes que o Céu não existe. Aqui chegado, percebemos que este é o local onde todas as esperanças morrem e todos se tornam sacanas sem redenção. Mesmo os mais ingénuos.

Passo a passo, somos apresentados a uma dualidade Inferno / Paraíso bastante diferente da que é usualmente propagada. O Paraíso, enquanto prémio máximo de uma vida merecedora será, afinal um local bastante diferente, onde não acedem os que merecem, mas os que, por puro capricho divino, são escolhidos.

Se a visão é assim tão negra em relação ao Paraíso, imaginem no Inferno, onde demónios tiram prazer de corromper as almas que lá encontram. E claro que um desses alvos à corrupção será o professor, obrigado a participar na obtenção da mais desejada refeição anual, competindo com veteranos, teoricamente mais preparados e maléficos.

Como outras leituras de João Barreiros, esta encontra-se desprovida de esperança na humanidade. Qualquer pessoa pode ser corrompida se se encontrar no local certo, quaisquer boas intenções dão lugar a desastres dolorosos e todos acabam a lutar por si, para sua própria sobrevivência.

Mas não precisamos de nos focar no Inferno para ter uma perspectiva negativa da humanidade. As primeiras páginas, centradas na sala de aula, já nos dão uma ideia da falta de esperança que há nas gerações seguintes – jovens desinteressados e apáticos que permanecem nas aulas sem qualquer tentativa de interacção ou de intenção! Uma audiência que o professor tenta quebrar a qualquer custo, sem sucesso. Uma abordagem curiosa, principalmente quando sabemos que o próprio autor foi professor.

Um Gosto a Céu no Lago do Breu surpreende não só pela premissa, como pela abordagem e perspectiva. Os anjos, apesar de atraentes, não são criaturas que transbordem bondade. Os demónios, apesar de corromperem, conseguem ser mais interessantes na forma como se envolvem com os seres humanos do Inferno. Já o tornar-se uma boa leitura não surpreende para quem conhece a qualidade narrativa de João Barreiros.

Este pequeno livro (cerca de 100 páginas) pode ser comprado directamente na loja da Universidade do Porto.