
Pele de Homem já tinha sido publicado há algum tempo no mercado espanhol pela Norma e já me tinha despertado algum interesse – mas não o suficiente para o adquirir e ler. Tendo lido agora a edição portuguesa, o resultado é curioso – por um lado tenho pena de não o ter lido mais cedo, por outro, ainda bem que li a edição portuguesa.



A história
Numa época em que os casamentos se realizam mais por conveniência financeira ou política das famílias do que por amor, uma jovem mulher suspira por não conhecer antecipadamente o seu noivo. A oportunidade vem sob a forma de disfarce cedido pela tia, uma espécie de pele de homem que irá dar à jovem a possibilidade de se imiscuir entre os homens.
A primeira impressão é de choque. Os homens, entre eles, conversam de forma estranha, galifões que tudo podem concretizar até ser momento de agir. As esposas são seres estranhos e distantes, usados para cumprir um determinado objectivo, mas não para serem conhecidas. A jovem descobre assim que o seu noivo não tem grandes perspectivas de proximidade com ela. Ainda assim, decide-se a conhecer melhor o futuro marido, frequentando os mesmos locais e acabando por se envolver fisicamente com ele – enquanto homem.



Crítica
A história apresenta um único detalhe fantástico que dirige toda a narrativa – a possibilidade de uma pele de homem poder ser vestida e apresentar uma aparência credível e funcional após vestida. Ultrapassando este detalhe fantástico, a narrativa confronta os dois mundos, o masculino e o feminino, demonstrando como a mulher era mantida indisponível e secreta, um género de objecto de prestígio que não vale a pena conhecer, apenas garantir a sucessão.
Por seu lado, os homens são livres para viverem o que quiserem, como quiserem e com quem quiserem. O seu mundo é mais crú e confrontacional, mais livre e libertino. Mas também mais violento, já que é suposto os homens responderem a afrontas à dignidade com uma espada na mão.
Os relacionamentos entre homens são ditados por esta dualidade – por um lado podem envolver-se com outros homens, mas mantendo alguma aparência no que é o suposto serem os lugares passivo e activo na relação sexual. Por outro, devem demonstrar-se corajosos e confrontacionais.
Apesar da oposição entre os dois mundos, a história segue um rumo ligeiramente cómico e leve, levando a jovem mulher a envolver-se com o noivo sob a forma masculina. Existe uma aura de crítica em relação ao papel dos dois mundos na realidade da época, que pode transitar ligeiramente para a nossa realidade. Mas também existe a exploração dos papéis sociais e da homosexualidade numa época em que as aparências são o mais importante.
Em paralelo, explora-se o papel da Igreja. A cidade recebe um novo padre (irmão da personagem principal) extremamente conservador. De mente perversa, projecta nos outros os seus próprios pensamentos impuros, acusando tudo e todos, e acabando por conseguir tornar-se popular e exaltar a população. A cidade caminha rapidamente para uma loucura fanática em que se queimam quadros, se destroem estátuas, e se condenam mulheres a torto e a direito! A vertente religiosa ajuda a solidificar esta sociedade como uma sociedade de aparências, onde os dois géneros têm papéis e existências bastante distintas.
O resultado é interessante e movimentado, com pontuados momentos de tensão, mas vários de humor, onde se aborda sexualidade e género. É uma leitura que não parece querer levar-se muito a sério em determinados momentos, mas que, talvez por isso, consiga ser tão impactante e envolvente.



Conclusão
Pele de Homem é uma obra fenomenal que consegue cativar o leitor e levar-nos, entre detalhes cómicos e conclusões mais sérias, a experimentar uma história diferente mas também marcante. Está, decerto, entre as melhores leituras dos últimos meses.


