Depois de mais de dois anos à espera, eis que é finalmente lançado o terceiro volume desta fantástica série de Loisel (que corresponde aos volumes 7 e 8 da série em francês). Do autor já conhecia Armazém Central e Peter Pan, ambas excelentes e estou a explorar a série Em Busca do Pássaro Perdido. Menos enraizada no género fantástico do que Peter Pan ou Em busca do Pássaro Perdido, El Gran Muerto decorre no nosso mundo, tendo como premissa a existência de um outro mundo para o qual é possível viajar.

Os dois mundos vivem em equilíbrio, influenciando-se, mas esta interacção é contida e gerida adequadamente. Até ao dia em que uma sacerdotisa do outro mundo tece um plano para criar duas crianças, uma em cada mundo, que irão provocar o caos deste lado – a terra estremece, as vias são cortadas, a tecnologia falha. A humanidade entra em modo de sobrevivência, com elevadas mortes e confrontos entre grupos que pretendem controlar a comida e outros bens.

Este volume inicia-se bem no meio do caos. A criança que nasceu no nosso mundo apresenta estranhos poderes, e uma fraca empatia para com os humanos, ainda que a mãe, claro, não consiga ver a sucessão de desastres que as rodeia. Quando, no seguimento da catástrofe, o namorado da mãe fica isolado com a criança, enquanto a mãe, na cidade, tenta regressar, a tensão entre os dois cresce – ela precisa do adulto para se alimentar, mas não lhe fará a vida fácil.

A história termina de forma agridoce, como já era expectável com Loisel, ainda que de forma mais amigável e suave do que eram as minhas expectativas. Sem dúvida de forma melhor que Peter Pan. Existem, claro, pesadas perdas. O autor não poupa as personagens e a catástrofe atingiu com força as cidades do nosso mundo. De tal forma, que muitos procuram refúgio noutras localizações – inclusivé em África que parece ter sido pouco atingida.

A narrativa contém vários contornos fantásticos ou sobrenaturais, apresentando alguns elementos comuns às tradicionais histórias de fadas – mundos que se cruzam com diferentes progressões no tempo (passam horas no mundo das fadas que correspondem a semanas aqui), criaturas de aspecto mais ou menos conhecido, e uma moralidade que assume uma lógica distinta da dos humanos. Mesmo a criança que é o cruzamento de dois mundos (e que parece carecer de empatia) recorda as crianças das fadas que são trocadas e colocadas nos berços humanos, mas de uma forma mais retorcida e assustadora.

Depois de um início misterioso, mas fascinante e positivo, a história toma contornos cada vez mais negros, que se refletem, também, por vezes, no desenho. A destruição leva à queda da sociedade e, consequentemente, a que os seres humanos comecem a lutar e a matar por recursos, ou simplesmente por prazer e poder imediato.

As personagens são relativamente poucas e ainda que a história se desenvolva ao longo de 8 tomos (compilados em 3 volumes na edição espanhola), é uma série que me pareceu menos desenvolvida do que as que li de Loisel, com menos caracterização de personagens, menos mensagens e menos aventura. Ainda que as personagens sejam simpáticas, não criam o nível de empatia que vemos em, por exemplo, Armazém Central.

É, no entanto, uma série que gostei muito de ler, quer pelos elementos fantásticos, quer pela estranheza dos fenómenos sobrenaturais e respectivo desenvolvimento. É que, ainda que existam detalhes fantásticos mais clássicos, existe uma reinterpretação que os torna diferentes e fascinantes. El Gran Muerto é, sobretudo, uma aventura misteriosa e imprevisível, acompanhada por fantásticos desenhos.