Depois de um ano mais fraco em leituras (2022) com 186 leituras, em 2023 atingi os 269 livros lidos, resultado das viagens regulares (podem consultar a lista completa de leituras no goodreads). Se, noutros anos, tinha explorado o estilo francobelga na banda desenhada, este ano investi um pouco em Mangá e voltei a focar-me na ficção científica, pegando nalguns clássicos do género. Deixo-vos, então, com as melhores leituras, sendo que a banda desenhada terá, posteriormente, um post próprio:

Nacional

Em território nacional, o ano foi marcado por lançamentos de autores nacionais no estrangeiro. Mário Coelho lançou o seu livro Unto the godless what little remains em 2022 mas só o li em 2023. Trata-se de um livro ligeiramente futurista e irónico, envolto num humor peculiar, com um estilo muito próprio que transparece influências cyberpunk. O autor tem outras histórias publicadas no mercado internacional, sobretudo contos, destacando-se a inclusão na antologia The Best of World SF.

João F. Silva lançou uma série de ficção especulativa no mercado anglosaxónico que começa com Seeds of War . Trata-se de uma história passada num outro local, com detalhes de fantasia (ou talvez de ficção científica). Não existem poções mágicas ou varinhas de condão, antes uma espécie de fumo que parece conferir capacidades sobrenaturais. A narrativa investe numa sucessão de batalhas e episódios de trocas diplomáticas tensas, com exploração dos contrastes sociais. O resultado é uma leitura que, apesar de algumas imperfeições, é original e cativante.

O fim do mundo em cuecas é uma colecção de textos criados por uma diversidade de pessoas, entre jornalistas, cientistas e escritores de ficção especulativa como Bruno Martins Soares ou Luís Filipe Silva, organizada por Hugo Van Der Ding e Luís Corte-Real. Cada texto imagina um fim do mundo diferente, envolvendo fenómenos naturais ou catástrofes provocadas pelo homem. Alguns fazem este exercício de forma científica e informativa, enquanto outros criam bons contos de ficção científica.

Internacional

Ficção científica

Do outro lado do Oceano, e através da Amazon, chega-nos este Quando os Humanos Foram Embora. Trata-se de uma história de primeiro contacto, mas na perspectiva de uma espécie alienígena que encontra a humanidade enquanto espécie que a ajuda na progressão tecnológica. A escrita é fluída e objectiva, desenvolvendo uma história que, neste caso, é quase ausente de conflito, baseando-se em interacções positivas e construtivas. O resultado é intrigante e envolvente e levou-me a procurar mais livros do autor.

Becky Chambers já me tinha surpreendido com uma Space Opera diferente e diversificada, A Long Way to a angry small planet. Neste pequeno livro denominado A Psalm for the Wild Built cria um mundo em que a humanidade escolheu deixar os robots seguirem a sua própria evolução, voltando-se para uma forma de vida mais sustentável e mais em harmonia para como a natureza. A personagem principal, Dex, resolve afastar-se da civilização e acaba por estabelecer o primeiro contacto em vários séculos com robots. Segue-se uma amizade improvável, onde perspectivas muito diferente se opõem. Apesar do sentimento de solidão da personagem principal, a narrativa é calma e envolvente.

Robots through the ages é uma antologia de ficção científica centrada em robots, organizada por Robert Silverberg e Bryan Thomas Schmidt. O conjunto possui várias histórias clássicas que apresentam, sobretudo, perspectivas negativas ou catastróficas, mas também histórias inéditas e positivas. A maioria é excelente ou pelo menos muito boa.

De destacar, também, a história Metal Like Blood in the Dark de T. Kinfisher, publicado na Uncanny de Setembro de 2020 que é uma das melhores que li este ano. Vencedora dos prémios Hugo e WSFA, pode ser lida gratuitamente na página da revista.

A história centra-se em duas entidades de inteligência artificial criadas por um homem num planeta bastante explorado. As duas criações ganham autonomia, evoluindo quase como crianças que vão explorando o mundo que as rodeia. Mas a verdadeira aprendizagem virá quando o humano que os criou tem de se ausentar, fazendo com que, eventualmente, as duas entidades tenham de entrar em contacto com outras entidades – algo que vai correr de forma dúbia.

Fantasia

The Dragon Griaule de Lucius Shepard é um daqueles clássicos brutais que aconselho a todos os que gostam de fantasia a lerem. É tão esmagadoramente bom que está a anos luz da maioria dos livros que li este ano. O livro é composto por várias histórias em torno do dragão que ocupa toda uma paisagem num mundo imaginário. Imóvel no seguimento de uma batalha, o dragão não se mexe, mas influência as comunidades que o rodeiam, inspirando fanatismo, medo e excentricidade.

Os vários episódios que vão sendo relatados fazem parte de uma narrativa maior, peças de um puzzle que vai sendo composto apesar de todos os detalhes loucos, quase absurdos. Não é um plano delineado por humanos mas é, na verdade, um plano com consequências práticas. Todo o desenvolvimento é fascinante e grandioso, simultaneamente original e conhecido, enquanto usa referências fantásticas de uma forma nova, mas de subtil inquietação.

The Book that wouldn’t burn de Mark Lawrence é um bom livro de fantasia que toca num ponto sensível para os que são viciados em livros, usando bibliotecas como portais entre vários mundos, alguns bastante semelhantes ao nosso. A escrita não é perfeita, alongando-se demasiado nalgumas passagens com descrições e fazendo uma caracterização congelada das personagens.

Os portais nas bibliotecas permitem, não só a passagem entre mundos paralelos, mas viajar para diferentes épocas. Na prática, este livro encontra-se entre os géneros ficção científica e fantasia. Por um lado, encontramos uma biblioteca enorme, que parece saída de uma história de Borges, bem como diferentes criaturas inteligentes e alguns detalhes que parecem fantasia. Por outro, percebemos que alguns destes detalhes não são magia, mas tecnologia avançada, que pode ser percepcionada pelos autómatos ou por algumas passagens de livros que relatam a existência anterior de poderosas invenções. Nem tudo é, no entanto, explicado por ciência.

No seguimento deste livro, o autor vai publicar outros dois volumes, tendo lançado uma história mais curta, no mesmo Universo, chamada Overdue. Concisa, directa e fascinante, esta história consegue ser quase perfeita na forma como usa o mesmo mundo, mas ultrapassa os defeitos do primeiro volume, com uma boa caracterização de personagens, bom ritmo e ausência de descrições desnecessárias.

Finalmente, The City of Brass, de S. A. Chackraborty é o primeiro volume de uma trilogia fantástica que usa elementos de mitologia oriental para compor a história. Não é uma história perfeita, mas consegue captar a atenção e, apesar da enorme quantidade de páginas, inspirar uma rápida progressão, levando-me a ler a trilogia toda de seguida.

A história usa, sobretudo, elementos fantásticos como génios e Ifrit, criando um reino fantástico mas escondido que existirá numa realidade semelhante à nossa. Neste reino fantástico existem várias teias políticas, jogos de poder e influências religiosas, fazendo com que as interacções sejam cautelosas. A narrativa centra-se numa personagem de aspecto humano que será, afinal, um génio escondido.

Horror

Hex, de Thomas Olde Heuvelt é outros daqueles livros que já tinha cá em casa há algum tempo e só agora peguei. Esta narrativa leva-nos para a actualidade, apresentando uma cidade no interior americano amaldiçoada por uma bruxa centenária. A bruxa deambulará pela localidade, de braços amarrados e boca cosida, não podendo proferir as suas maldições. Mas a sua influência é sentida pelos habitantes, provocando suicídios e outras desgraças. A tensão da história vai sendo crescente, sobretudo quando um grupo de adolescentes, aborrecido pelo secretismo em que são obrigados a viver, resolve fazer uma série de partidas perigosas à bruxa.

Nine Goblins de T. Kingfisher é uma leitura mais juvenil que pega em elementos de terror para se construir. A história centra-se numa guerra entre várias raças fantásticas, focando-se nos goblins, apesar de existirem humanos e elfos – mais concretamente num grupo de goblins em batalha que, ao enfrentarem um mago são teletransportados para outra região. A narrativa apresenta vários elementos fantásticos mas sombrios, pegando nos goblins como elementos para conferirem detalhes cómicos que levantam a leitura.

Não ficção

Crónicas de um livreiro é um livro bastante diferente do que esperava. É muito pouco sobre a actividade de vender livros, apresentando mais o conhecimento do autor do negócio dos livros ou das particularidades em torno dos livros. Ultrapassando a expectativa falhada em torno do título, é uma boa leitura que apresenta capítulos sobre livros proibidos, marginálias ou colecções privadas.

Em Como Organizar uma biblioteca, de Roberto Calasso, o autor foca-se na organização de bibliotecas e livrarias, falando de métodos de organização e exposição. O volume possui ainda três outros textos fora do tema principal, um sobre revistas do século XX, um de Madame de Sablé acerca de as Maximes de La Rochefoucauld, e a organização de livrarias. O conjunto não é extraordinário, mas é suficientemente informativo e interessante para se distinguir de outros livros de não ficção que li este ano.

Melhores Leituras de Anos Anteriores